Por Mares Nunca dantes Navegados

A Prova de Exame de português de 9º Ano de 2018



Há já algum tempo que este blogue anda parado. Porque a sua autora tem andado muito ocupada a ser professora de muit@s alun@s... Foi um ano rico de tant@s, mas tant@s menin@s que por mim passaram. E finalmente o esperado exame chegou. Estamos preparad@s, disse-lhes eu. Trabalhamos tod@s bem.
E lá fomos, eles e eu....

Será que os enganei? Alguém nos enganou, isso é certo. Alguém nos anda a enganar neste mundo louco da Educação em Portugal.

E assim foi... ainda não consigo escrever tudo o que me passa pela cabeça e pelo coração. Isto não é só um trabalho, o de ser professora de português. É também uma paixão.
Porque amamos os livros, os textos, as palavras, os Poetas, as Poetizas, as Autoras...

E Estou  chocada, revoltada e em profundo pasmo com a  prova de exame de Português de 9 ano que põe em causa o nosso trabalho. Quem fez esta prova deve odiar-nos de morte. A nós professores e à literatura e língua portuguesa.


Sobre o exame de português 9º ano
Para não vos maçar muito vou só contar-vos o que ensinamos aos vossos filhos ao longo de um ano letivo em que eles têm 14 ou 15 anos:

Textos narrativos (podendo ser escolhidos por cada escola de uma vasta lista de nomes de autores de século XIX e principalmente XX e XXI) Clarice Lispector, Virgílio Ferreira, Saramago, Mia Couto, Steinbeck, Eça de Queirós, textos que fomos escolhendo pelas mensagens que transmitem valores de humanidade e valores humanos como a amizade, a solidariedade, a inveja, a solidão... o amor;
depois, "Os Lusíadas", nossa obra Maior, a nossa Epopeia, difícil, é certo, mas importante para fundamentar o conhecimento da nossa história e o Amor de um Poeta pela sua Pátria – assim se fala de Patriotismo, assim se explicam e se amam heróis nacionais;
depois uma obra de Gil Vicente – assim se explica a critica social as alegorias sociais e politicas, assim se explica o papel fundamental do teatro na cultura de um povo;
 e finalmente, leituras de poemas de Poetas contemporâneos também podendo ser escolhidos pelas escolas de uma lista de petizas e poetas portugueses inquestionáveis com Sophia, Alegre, Pessoa, Jorge de Sena ou Herberto Hélder - assim se explica a sensibilidade e a beleza que reflectem as palavras e para que serve a poesia pela vida fora...

Algum destes valores, alguma destas noções foi perguntada aos alunos na prova de exame?
De toda esta variedade de textos dados e estudados nas aulas que reflectem a literatura e cultura portuguesas, o que escolheram os senhores que fazem a prova para testar os alunos e o trabalho dos professores? 

Sobre os Lusíadas – Obrigam-nos os programas e as malvadas “Metas Curriculares “ a ensinar aos alunos cerca de 150 estrofes o que equivale a 9 ou 10 episódios das aventuras do nosso grande Herói Vasco da Gama e da nossa Grande História de Portugal. Mas também, para embelezar a epopeia, aparecem os Deuses (a Mitologia) Romanos que Camões introduz na sua Epopeia. Ora os alunos conhecem os nomes de Vénus, Júpiter, Mercúrio, Marte e Baco, os deuses Romanos que aparecem nos Lusíadas como personagens mitológicos e que ajudam ou dificultam a vida dos nossos heróis.

São as partes Maravilhosas da Epopeia. Destas 150 estrofes, destes episódios todos, destas aventuras maravilhosas da nossas História, os senhores que fazem a prova decidem colocar apenas uma estrofe de os Lusíadas que se encontra no Episódio do Consílio dos Deuses e que faz parte do discurso do Deus Marte um dos deuses que tem menos protagonismo no desenrolar da acção e consequentemente, o personagem a que a maioria dosa alunos não se fixou com tanto entusiasmo como  Vénus ou Baco (a Personagem que ajuda os nossos heróis  e o Vilão) Meus senhores, estamos a falar de jovens de 14 anos, Certo? Os Lusíadas é uma Narrativa maravilhosa e é assim que eu a ensino!

Pede-se a identificação de uma única estrofe. Com poucas pistas para acertar na personagem certa. De dificílima resposta, de frustração enorme para os alunos que tinham feito os resumos de todos os episódios que tinham estudado nas aulas e a quem este pormenor lhes podia ter escapado, pois a identificação da única estrofe dada é muito difícil.

Segundo – o texto de Frederico Lourenço, A Ilíada de Homero Adaptada para Jovens, embora muito bonito não é de leitura obrigatória, logo não era conhecido pela maioria dos alunos.  Trata-se de uma adaptação de uma outra epopeia, mas que trata de grandes aventuras de heróis Mitológicos Gregos (com episódios da Guerra de Tróia) e em que os Deuses Mitológicos surgem com os nomes em Grego (ou seja Júpiter é o mesmo Deus que Zeus, Vénus é a mesma deusa que Afrodite, Hera é Juno uns pertencem à mitologia Grega, outros à Mitologia Romana. (Fácil. não?).

Os meus alunos conseguiriam compreender estes nomes e estas historias nas aulas, mas em situação de exame, ler este texto, responder a perguntas de interpretação e ainda comparar este texto desconhecido com a estrofe dos Lusíadas que talvez não tenham compreendido totalmente, parece-me algo retirado de uma cena  de tortura em Pleno auge da Inquisição.

Terceiro – O célebre texto A – Teriam de o interpretar apenas com respostas de escolha múltipla… o que lhes parece sempre fácil. Por mais que lhes digamos que essas é que são as de rasteira…
Era um texto sobre o turismo na Grécia Antiga . (Antiguidade Clássica e Heranças Contemporâneas, Vol. I), mas a que  propósito santo Deus?
Serão estes senhores que fazem estas provas castigados para sempre às labaredas do Inferno pelo Diabo de Gil Vicente? Mereciam, lá isso mereciam. 

Deixo aqui  apenas um excerto, lembrando mais uma vez que os alunos têm entre 14 e 15 anos:

A estátua enigmática da deusa e a magnificência do seu templo, que se tornou num centro de asilo e num tesouro, trouxeram-lhe grande prestígio. Estes exemplos demonstram que, na Grécia antiga, a experiência do turismo surge, desde os primórdios, associada à religião e ao património artístico e arquitetónico. Na época helenística4, aparecem textos que descrevem os espaços, edifícios e estátuas dos santuários e das cidades mais importantes. "
Ah, eles dão umas notas – explicam o que é helenística – dizem que é - época helenística – período compreendido entre a morte de Alexandre, o Grande, e a anexação da Grécia por Roma.

Devíamos exigir que a equipa que faz os exames de português se explicasse. Afinal de contas estamos um ano inteiro a ensinar aos meninos e meninas literatura, poesia, cultura e língua portuguesa, ensinamos o nosso património com orgulho e paixão, para depois lhes pespegarem textos sobre o turismo na Grécia Antiga, uma adaptação da Ilíada, que não deram e uma estrofe dos Lusíadas quase indecifrável? 

Tereza Lamy





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