A cultura do piropo, ou já chega de não perceberem a palavra NÃO

Há alguns dias o meu filho de 24 anos assistiu a uma conversa entre um homem adulto com uma menina de 12, 13 anos no metro em Lisboa. Não gostou do tom da conversa, achou que o homem estava a importunar a menina. Ela evitava as perguntas do homem que lhe falava de extraterrestres e perguntava  se ela gostaria de ver umas revistas que ele tinha. A menina de olhos baixos ia dizendo como podia que não queria ver nada. O meu filho,  interveio e disse ao homem e voz bem alta que não estava a gostar da conversa e já tinha percebido que o homem não conhecia a menina e que a deixasse em paz. O homem ripostou, gritou, disse para a assistência que estava a ser agredido pelo meu filho, juntou-se gente, a confusão do costume. Não havia polícia, não houve mais consequências.
No final, o meu filho procurou com o olhar a menina e percebeu que ela tinha desaparecido. 

Provavelmente e felizmente, aproveitou-se da confusão e fugiu de mansinho.

Dessa vez, para esta menina, acabou o episódio. Mas o medo deve ter ficado lá. A sua viagem diária no metro vai ser todos os dias pautada pelo susto de ver outra vez o tal homem que quer falar com ela com palavras estranhas ou outro homem ou outro homem. O medo instala-se, e nem sempre haverá alguém pronto a intervir a chegar-se à frente quando nota que há algo à sua volta com os seus semelhantes que não está bem.

Há alguns dias, em plena manhã Lisboeta, caminhava eu em Alfama para o meu destino com a minha idade e estatuto que me protege de que “já ninguém se mete comigo na rua, era o que faltava”, quando se cruza por mim um homem que me sussurra. “és  tão linda…”! Estarreci. Então ando eu, Feminista convicta a escrever estes artigos sobre a lei do piropo e sai-me um destes? Parei, virei-me para trás e em voz bem alta, daquela que uso para por ordem numa sala de aula caótica e disse “Ouça lá, conhece-me de algum lado?”. O homem virou-se para trás, um bocado espantado e ainda respondeu meio a querer fugir, … “para a próxima digo que és feia”.

Ainda olhei em redor a ver se havia algum agente da autoridade. Não havia. Só turistas e tuk-tuks. 

Mas fiquei satisfeita. Vinguei-me de todas as vezes em que em criança, em menina tantos homens me diziam palavras, umas mais, outras menos ordinárias e perturbadoras e eu não tinha coragem de dizer nada. Apenas o medo, o susto de sentir a ameaça presente e a vontade de me tornar invisível. 

Todas elas, mesmo o “ai és tão linda”, nunca as pedi, nunca as procurei, nunca me fizeram bem, nem em menina, nem agora. Não são elogios, são como picadas de abelhas.

Incomodam, porque vêm de uma pessoa que não conhecemos, não as queremos, não desejamos que alguém nos invada o nosso espaço exterior e interior. É uma questão de respeito pelo outro ser humano, pela Mulher.

Os elogios são bem-vindos de amigos, de pessoas que nos querem bem. Ou de pessoas a quem damos permissão para entrarem no nosso espaço. A quem convidamos para participarem da nossa vida, mesmo que seja num momento. Agora se não forem convidados, não entrem.

E a todas as mulheres, a todas as meninas, não aceitem a intromissão de outros, gritem e reclamem, peçam ajuda se for preciso. E chamem a polícia. É crime público violar o vosso espaço, a vossa intimidade.
É assim... Isto acontece todos os dias. Às nossas filhas, a nós, em qualquer idade. E cá para mim, já chega. É dizer não, não baixar os olhos, gritar se for possível. Ensinar as meninas a ter o número da polícia no telemóvel. E já agora, que o telemóvel serve para tudo, fotografar o agressor e apresentar queixa na polícia.


No dia 25 de maio, pelo menos em Lisboa e no Porto, as mulheres sairão à rua para dizer Não à Cultura da Violação. Que sejamos muitas.

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