O “Jogo” da baleia Azul, ou andamos todos a brincar com a educação dos jovens

Introdução breve – para quem ainda não foi massacrado com este tema nas notícias, cá vai: 
O jogo terá sido criado na Rússia, por um jovem, que se aproveita dos momentos de vulnerabilidade das pessoas, para incentivá-las ao suicídio. O homem já teria sido identificado por outros crimes online, e está preso desde 2015. Chama-se Philip Budeikin, e tem 21 anos. A ideia de criar um jogo composto por cinquenta passos a serem cumpridos, teria sido inventado por ele para poder aliciar, sobretudo adolescentes, que estivessem a passar por um momento crítico nas suas vidas. 
A ‘brincadeira’ é divulgada quase exclusivamente através de mensagens via telefone. Um dos desafios consiste em colocar a hashtag #i_am_whale nas redes sociais e uma breve pesquisa pelo Facebook mostra-nos a quantidade de pessoas a aderir ao jogo. 
O jogador, assim que cumpra um desafio, deve enviá-lo a alguém denominado de “curador”, ou seja, aquele que irá avaliar se o desafio foi cumprido. Os ‘jogadores’ são obrigados a não dormir, a verem filmes de terror durante várias horas seguidas, cumprir vários passos de desafios psicológicos e físicos que implicam actos de auto mutilação como desenhar uma baleia no braço com uma navalha ou desferir golpes em determinadas partes do corpo e no 50.º dia do desafio os jovens devem pôr fim à sua vida, o que se traduz na vitória no ‘jogo’.

Como acedem os jovens a este “jogo”? Pelos chat's, pelos sites de alguns jogos, pelos sites que os pais não vigiam; ou pelas “inocentes” redes sociais que toda gente tem facebook; instagram,  snapchat's, etc.

A comunicação social de repente traz à luz este fenómeno aparentemente estranho porque a participação no jogo estará na origem do incidente protagonizado por uma jovem que, na madrugada de quinta-feira, saltou de um viaduto para a linha férrea do Algarve, na zona das Ferreiras, em Albufeira.

Informação  na Com. Social - Publico, 28 de abril de 2017; O Jornal Económico 16 abril 2017; SAPO – PPLWARE 28 ABR 2017 · NOTÍCIAS; HIPER, 28 abril, 2017; Visao 28 abril 2017

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Os Índios dizem que “é precisa toda uma comunidade para educar uma criança”. Mas (infelizmente) não vivemos em sociedades tribais. Não conhecemos os nossos vizinhos, não conhecemos os nossos colegas de trabalho e não conhecemos os nossos filhos. Quantas vezes há um enorme espanto por parte dos pais quando descobrem que o seu filho sofre horrivelmente de bullying na escola, ou sofre de uma depressão ou finalmente são confrontados com uma tentativa de suicídio, se não, em casos extremos da sua própria morte.

Mas vivemos todos sós. A solidão é o maior paradoxo na nossa sociedade onde a Comunicação e as Redes Sociais nos colocam em contactos com todo o Mundo
Mas contacto não significa conexão. Estamos “desligados” uns dos outros. Temos 5 mil amigos no facebook. E uma sensação de sermos cidadãos do Mundo. Seremos cidadãos da nossa comunidade? Do nosso núcleo familiar? Qual o nosso papel como pais e educadores na construção de novas personalidades que crescem junto a nós desde que nascem?

Os psicólogos dizem que só joga este jogo quem está em situação de fragilidade ou depressão... E numa situação extrema, limite, por vezes para se sentir até acompanhado na sua dor ou revolta. 

Sabemos quem está em situação de fragilidade ao nosso lado?

Este jogo está ao alcance de quem o quiser jogar. Como a droga, o álcool, a abstinência ou abuso de comida, e todos os comportamentos de risco a que os jovens têm acesso. Espantem-se, revoltem-se, mas é tal e qual.

Depois de muitas pesquisas sobre este “novo” tema que sobressalta pais e educadores, achei que já agora, seria interessante ouvir os jovens. E espanto dos espantos, os Jovens estão mais informados e sabem mais sobre isto tudo do que “psis”, jornalistas, “opinion makers” e etc. E só ouvi uma pequena amostra. Meninos e meninas dos 16 aos 18 anos. Aqui está o que eles dizem. Para já calo-me e deixo-os falar.

Pergunta - “O que é que vocês acham da cena do jogo da baleia azul?”

” Acho estúpido, Bastante mesmo, Stora porque, quem faz isso, elas/eles podem ter os seus problemas mas, fazer aqueles desafios e assistir aqueles filmes psicóticos às quatro e vinte da manhã e ouvir aquelas músicas, simplesmente acho parvo. Essas raparigas/rapazes fazem porque podem ter problemas e depressões bastante evoluídas. As pessoas têm que perceber que isso não leva a lado nenhum”;
“Têm mesmo problemas à seria... Mas os pais não notam nada?
“Se tem esses problemas, epah tentem falar e desabafar com alguém”.
“Os pais não notam tudo, não são videntes”.
“São mesmo essas pessoas que passam por isso que têm que ter consciência própria e serem mais fortes do que aqueles desafios, não é ao cortarem -se ou a fazer o que os outros mandam”.
“Eu acho que se metem nisso porque querem.”
“Eu acho que o problema não é do jogo mas sim das pessoas. As pessoas já faziam isso já se suicidavam sem o jogo. Agora os adultos pensam que é através do jogo queo s jovens se estão a suicidar, mas não é bem isso, os jovens jogam porque já tem pensamentos suicidas e como não sabem bem ao certo como se suicidar, jogam isso para começar a preparar a sofrer.”
 “As pessoas que jogam têm problemas sérios e precisam de ajuda. Hoje em dia falar sobre depressão, problemas mentais é muito julgado e então as pessoas têm vergonha e medo de admitir que têm esses problemas e pedir ajuda é mais difícil.”
“E ainda por cima as pessoas  pensam que os jovens que jogam isso são estúpidos, mas não são. De certo modo elas não vêm mais nenhuma saída na sua vida e fazem o desafio para que até lá, alguém possa perceber que elas estão mal, antes do desafio final."
“Os pais agora devido ao desafio estão a ficar preocupados com os filhos e vão falar com eles a dizerem que não estão sozinhos mas antes do jogo não se davam ao trabalho (alguns pais). Já muito antes do jogo estes problemas existiam e esses desafios não eram chamados de desafios. Já era coisas que as pessoas realmente faziam.”
“E os pais não são também culpados? Ahhhh!”
Na minha opinião o Jogo em si é uma estupidez, mas também acho triste que só quando há casos assim "mais graves" é que as pessoas abrem os olhos e pensam nestes problemas que envolvem a nossa sociedade.”
“Foi preciso uma série (13 reasons why) para as pessoas começarem a levar o suicídio mais a sério, para perceberem que tudo o que dizem ou fazem pode magoar alguém mais frágil, que não somos todos iguais e não aguentamos todos os mesmos tipos de problemas, pessoas diferentes reagem aos problemas de formas diferentes.”
“O Jogo da Baleia Azul, para mim, não faz qualquer sentido. Acho que as pessoas que jogam estão a passar por depressões graves e que alinham no jogo porque já pensaram em fazer algumas daquelas coisas antes mas nunca tiveram "coragem" para tomar acção, ou seja, levam o jogo como forma de fazer aquilo que já tinham intenções de fazer.”
“Pedir ajuda não é fácil e nem todos o conseguem fazer, daí muitas das vezes pais, amigos, familiares, professores, etc, não dão conta do que está a acontecer. Para pedir ajuda é preciso mais do que meras palavras, é preciso coragem, e por vezes há ainda medo de que não vão ser aceites, de que irão "gozar" ou dizer que tudo isto é só para chamar a atenção e por isso calam-se.”
“As pessoas não são estúpidas por "entrar no jogo" elas apenas acham que é a única solução que têm porque já pensaram previamente em tirar a sua vida”
“Sobre quem tem esses problemas - pedir ajuda aos pais porque os pais por si próprios não notam, não é bem assim. Eu já passei por uma depressão, não muito grave, mas tinha pensamentos suicidas e mutilava-me e eu sei que precisava de ajuda, mas era muito difícil falar, muitas vezes pensava "é agora, eu vou falar e dizer o que sinto" mas faltava a coragem, tinha medo das reacções, do que fossem pensar, eu achava que as pessoas iam ver-me como uma fraca que queria chamar atenção mas muito pelo contrário, eu queria passar despercebida. O mais difícil nestes problemas é mesmo falar com alguém.”
“Em relação ao jogo, estou muito à toa, faz-me lembrar a deepweb, e faz-me impressão pensar como é que alguém é capaz de criar uma coisa destas para "ajudar" a acabar com a vida das pessoas, assusta-me o número de mortes que estas coisas causam.”
“Eu sentia isso, que ao ter dor física, distraía-me da psicológica e também a via como forma de castigo, mas agora olhando para atrás não percebo, porque agora vejo que eu não tinha culpa de nada. Ainda custa um bocado falar, mas sei que já ultrapassei, por isso é mais fácil falar e sinto que tendo passado por algo assim, que posso ajudar outras pessoas.”
“Digo já que só entra no jogo quem quer. E quando eu andava numa altura depressiva da minha existência, pensei varias vezes em auto mutilar-me mas não encontrava coragem porque parte de mim queria e a outra parte tinha medo. O que os meus pais pensariam de mim? Como eles dizem sempre "é uma fase".
“ O jogo é doentio stora, não tem nexo nenhum. Eles ficam felizes por levar os adolescentes à loucura? A suicidar- se?”
“É uma ideia muito estúpida que serve para ver até onde as pessoas chegam até ao ponto de se suicidarem. A pessoa que está por trás deste "jogo" é alguém que sofre de alguma doença mental mesmo muito grave, que criou esta idiotice como uma forma de não se sentir sozinho/a. As pessoas que alinharam neste jogo (na maior parte adolescentes) são pessoas que, já sofrem muito com este tipo de pensamentos e isto ainda os influencia mais a concretizar o suicídio. Apenas lhes dá mais força para tal.”
“ Hoje em dia o suicídio é algo tão banal para nós adolescentes, parece que não tem importância nenhuma até alguém o cometer. A série "13 reasons why" demonstra bem que o suicídio não se trata apenas de algo sem importância ou para chamar à atenção, tirar a própria vida é algo muito grave, significa que não estamos gratos pela vida que temos, significa que somos fracos por não aguentar os contratempos que nos aparecem na vida. “
“Suicídio é desistir. É um assunto que deveria ser mais falado, tanto em casa como na escola, especialmente nesta altura da adolescência, as pessoas precisam de saber que não estão sozinhos, precisam de saber que essa não é a solução para resolver as coisas. “

Introduzi nova questão no debate - Porque é que os pais não desligam a Internet dos filhos, se são eles que pagam?

“Porque os pais querem tudo de bom para os filhos, e essas crianças ou adolescentes não são capaz de dizer aos pais porque depois ficam sem aquilo que querem”
“Se me tirassem o telemóvel eu não iria gostar, mas tinha que compreender primeiro o porque de fazerem isso é perceber se tem razão ou não…”
“Pois, nessa idade a culpa é dos pais porque habituam mal os filhos, a meu ver”.
“Deveriam impor certas regras aos filhos”.
“Conversar, perceber, castigar (tirar os telemóveis e apagar as redes socias) E fazer perceber que isso não é uma vida saudável”.
“Tirar completamente não, mas acho que reduzir era uma boa ideia.”
“Acho que tirar a Net não, mas podem-se  bloquear alguns sites para a segurança da criança.”
“Ao castigar, tirar a net, acho que a pessoa ainda se iria sentir mais revoltada, o que essas pessoas precisam não é de castigos, é de ajuda”
“Se os pais estão preocupados com os filhos podem pedir ajuda a quem saiba bloquear os sites.”
“Acho que tirar a net pode ser uma solução mas também acho que a educação dada tem maior influência do que a net.”
Stora, acho que não é a castigar, tirar a net e os telemóveis que se vai lá, porque isto não é algo que mereça punição, isto é um problema e os jovens que o fazem precisam realmente de ajuda. Há sempre maneira de continuarem a jogar nem que seja através do telemóvel dos amigos ou etc. Acho que o mais aconselhado era apoio psicológico e muita ajuda e força da parte da família e amigos”
 “Ora aí está, depende tudo da educação que recebem”.
“Acho que muitos pais que por ai andam não têm noção nenhuma do que estão a fazer”
“Há pouca gente que fala do que é preciso falar”
 “Claro que dar a conhecer o mundo da net e tecnologias (telemóveis, computadores, tablets, etc) em idades mais novas é errado, mas mais errado ainda, é dar-lhes a conhecer esse mundo sem educar e ensinar o que é "bom e mau" primeiro.”
“Tirar a internet? Talvez fosse uma solução. Ou então de que é que valia? Hoje em dia há Wi-Fi em todo o lado, na escola, nos cafés, o problema pode estar na internet, mas o maior problema de todos está na cabeça das pessoas, já criado. Adolescência é uma fase tramada, todos os adultos confirmam isso e falar abertamente sobre este assunto era um bom começo.”


E foi assim. No fim da conversa, apetece-me demitir alguns pais e por estes jovens no lugar deles. Fiz-lhes essa proposta, mas não aceitaram. Dizem que querem “curtir” a adolescência deles, apesar de tudo. São meninos e meninas adolescentes, maravilhosos, cheios de ideias confusas sobre a vida e o mundo. Mas têm os pés na Terra e os olhos postos no Futuro. Só precisam que os saibamos ouvir e apoiar. Estar presentes, tal como somos, assumir que também erramos, mas estar ali, ao pé deles. 

Comentários

  1. Obrigada, Teresa, por este excelente artigo.... Pela voz dos jovens, que tanto respeito, nele... Por os teres escutados, por os teres dignificado.... Beijinhos enormes

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    1. Muito obrigada pelas tuas palavras Anna_stesia e por teres ouvido os "meus" jovens

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