Aquilo que eu sei sobre as viagens de Finalistas do Secundário


… e ainda não tinha contado.
Tereza Lamy

Introdução ao tema – Metam mil adolescentes entre os 14 e 17 anos dentro de um hotel, num pais estrangeiro, longe dos pais, sem supervisão adulta, deixem-nos e incentivem-nos a beber álcool à descrição, alimentem-nos mal, não lhes dêem mais nada que fazer durante uma semana e no fim dêem graças aos anjos protectores destas criaturas se regressarem todos vivos a casa dos pais.


A coisa funciona assim – em cada escola secundária há um ou dois jovens que são aliciados pela empresa que organiza estas viagens, a recrutar colegas para a viagem de “finalistas”, mas na qual podem participar alunos do 9º ao 12º ano. Basta pagar. A estes recrutadores é-lhes oferecida a viagem.

Depois de se afixarem uns cartazes coloridos com jovens felizes e dinâmicos de marketing agressivo nas Escolas, em que se promete aos jovens a “Melhor Semana da Tua Vida”, convidam-se os pais para uma reunião na Escola em que se apresenta o programa da viagem e o preço. 
Neste programa a empresa que organiza a viagem promete: Monitores responsáveis que organizarão e prestarão supervisão às actividades para a semana tal como Paintball, bicicletas, motas de água, escalada ou outros desportos radicais. 

Os jovens cujos pais não terão possibilidades financeiras para esta viagem, vão sentir-se excluídos da “Melhor Semana das Sua Vida”. Porque os colegas da Escola vão... E há pais que fazem sacrifícios pata proporcionar aos seus filhos "A Melhor Semana da vida Deles"...

No preço que os pais pagarão para os seus filhos passarem a “Melhor Semana das suas Vidas” está incluída a estadia num hotel com piscina e quartos partilhados (geralmente são quartos duplos onde a unidade hoteleira encaixa mais uma ou duas camas para caberem mais); pequeno-almoço e jantar; uma pulseirinha que lhes é colocada no pulso e que usarão durante a semana e que lhes dará acesso a várias discotecas com direito a bebidas e uma “caução”. Há outra variável – umas senhas que são entregues aos jovens à chegada ao hotel e que poderão ser trocadas por bebidas nas discotecas.

Quando chegam ao seu destino, os jovens sentem-se livres e prontos a começar a “Tal Semana”. A maioria nunca saiu ou viajou sem os pais. Muitos nunca viajaram sequer com os pais, quanto mais. Esta semana é um ritual de passagem, diga-se o que se disser. - “Agora estou com os meus amigos, vou curtir, sem os pais, sou o maior”. “Os Reis do mundo” começam a beber.

A correria pelas discotecas começa logo no primeiro dia. Mas mesmo antes das discotecas, há nestas localidades de Sul de Espanha, que todos os anos acolhe milhares de jovens portugueses, lojas em profusão com venda de bebidas com fartura. Não é pedida identificação ou controlada a idade ou quantidade do que os jovens compram. Compram-se garrafões de whisky, garrafas de absinto e levam-se para a praia. Começou a festa.

Álcool, sol e mar. Já aqui, graças aos anjos que não se afoga nenhum, porque o mar no sul de Espanha é manso e os portugueses sabem nadar. Yooo.

Depois no hotel começa o disparate. O álcool provoca nos jovens o efeito curioso e de os tornar ainda mais irresponsáveis do que o seu cérebro o permite. Estranho? Leiam por favor a minha crónica Os Jovens, As festas, O Carnaval e o Álcool. Acho que se percebe bem o fenómeno.

Mas além disto tudo, já Freud e William Reich há muitos anos estudaram um fenómeno que se chama “A Psicologia de Massas”, que consiste muito resumidamente no seguinte – O Grupo age como um corpo só. Cada elemento do grupo identifica-se com todos os outros e surge uma nova identidade “O Grupo”. Um faz um disparate, todos os outros fazem outro, e os disparates vão-se avolumando, até chegar ao vandalismo, por vezes à agressão, a violência ao descontrole total. Caos num hotel onde estão mil dos nossos filhos à solta, sem supervisão.

Alguns destes jovens ainda gostariam, talvez, de desfrutarem das tais actividades que a empresa lhes prometera, os tais desportos radicais, mas descobrem que são todas pagas  à parte da viagem. Ainda arriscam uma ou duas, mas não dá para ocupar o tempo todo de uma semana.

Logo, praia durante o dia, e discoteca à noite. Nos intervalos, ou vomitam, ou dormem, ou fazem desacatos. Sem nenhuma supervisão. Pequeno-almoço (que foi pago) é mentira. Estão todos a dormir depois da noitada anterior. Ao jantar correm para a sala de refeição, onde a comida é buffet, nada de gourmet, mas pelo menos uma refeição por dia, comem.

Finalmente, houve a tal caução. Paga à empresa juntamente com a viagem, que garante eventuais estragos que possam acontecer no hotel e que raramente é devolvida no final, visto que há sempre qualquer coisa que se estragou durante a semana.

Chegados a casa, Pais, sintam-se abençoados, porque eles voltaram vivos. Conheço casos em que tragicamente os pais não viram o filho regressar vivo de uma viagem destas. Casos raros graças aos tais anjos, digo eu.

Porque os jovens correm perigo efectivo nestas viagens. Os monitores não estão lá parra supervisionar nada, apenas para acompanhar actividades pagas, as lojas, discotecas ou locais onde se vende álcool, não pedem identificação nem sabem a idade dos jovens e os hotéis utilizam a lotação máxima da sua capacidade. As unidades hoteleiras ganham imenso dinheiro nestas viagens todos os anos. E todos os anos novas hordas de jovens estudantes portugueses são aliciados para a “Melhor Semana da Tua Vida”. E os pais acreditam que vai ser uma semana divertida e que eles merecem.

Merecem divertir-se, os jovens, acho eu. Merecem viver, acho ainda mais. Merecem ser alertados e avisados ao que vão, acho com certeza.

E os pais merecem pensar um pouco no que podem e querem proporcionar os seus filhos.
Uma viagem? Uma experiência enriquecedora e divertida? Sem dúvida.

Porque não dar-lhes a responsabilidade de aos 17 ou 18 anos organizarem a sua própria viagem com um grupo de amigos que se protegem uns os outros? Organizar uma viagem segura, com um roteiro interessante e divertido, sem precisar de nenhuma agência intermediária, e partir à descoberta de um destino apelativo, em segurança, com o seu grupo restrito de amigos. Se acontecer algum problema a algum deles, são todos amigos e saberão despoletar os mecanismos de segurança que os pais lhes ensinaram.

Basta “perder” um pouco de tempo com os filhos e pesquisar locais onde um grupo de jovens possa passar a semana das férias da Páscoa.

Será também um ritual de passagem, mas será feito em consciência, será uma aprendizagem, organizada por eles, em responsabilidade. Será provavelmente uma experiência que não esquecerão. Porque os outros, que vão em magotes para hotéis sobre lotados arriscam-se a ter um blackout total e não se lembrarem da “Melhor Semana da Sua Vida” para o resto da sua vida.




Comentários

  1. Acima de tudo preocupa-me a qualidade das gerações atuais de pais (des)educadores!!! Como está a ser feito esse percurso educativo de 14 / 18 anos que produz vidas com energias contidas onde a explosão em violência é tão grande?!!! Já nem pergunto onde estão os valores, pois isso anda pela rua da amargura. Nem sei se os tais (des)educadores sabem o que isso é... Que aconteceu ao tal superego de que Freud nos fala e diz ser herdeiro do Complexo de Édipo? Que lugar ocupavam os pais nos primeiros 6 anos de vida dos seus filhos? E os Estados o que fazem? Que leis são essas que permitem que crianças de 14 a 18 anos vivam sozinhas, em lugares públicos, fora do seu país, ...? Estes 1000 acredito que sejam uma amostra significativa desse universo que hoje constitui as nossas crianças; acredito que muitos outros 1000 por aí mostrem as mesmas habilidades... Estou meio perdida. A coisa está séria!!!!

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    1. Alexandra, tenho 62 anos. O divertimento dos rapazes no meu tempo era correr os bailes da região e entrar em zaragatas, regadas a vinho e licores. Como a educação sexual era nenhuma, nem nenhum pai se preocupava verdadeiramente com isto, outro tipo de “tragédias” aconteciam, que lá se iam resolvendo como era uso no tempo.
      Isto para dizer que não sei onde uma certa actual geração moralista foi buscar a ideia da maior educação que se dava aos filhos antigamente ou da educação e responsabilidade destes. Quanto a pais, o meu estava ausente em França, mas nunca vi da parte de nenhum pai ou mãe grande preocupação com a educação dos filhos, seja na escola, seja noutra área, para além da esporádica galheta. Tenho um primo, ainda agora um dos meus melhores amigos, cujo divertimento era pegar fogo a gatos, para grande gáudio dos assistentes. Isto não é um juízo de valor, é apenas a constatação de que eram assim as coisas.
      Custa-me perceber como foi a Alexandra concluir que aqueles jovens são os delinquentes que retrata, não os conhecendo de lado nenhum. O que me parece é que estas avaliações, que são correntes são, ironicamente, fruto de uma corrente tão em voga: a análise dos assuntos através das redes sociais. Obviamente, nestas circunstâncias, os empolamentos, nas mesmas redes, são correntes. São jovens, estavam em férias, alguns cometeram excessos, coisa que é eterna desde que existe mundo. E então?
      Como convencer muita gente de que as crianças e jovens são agora mais educadas e conscientes do que antigamente, e de que os pais são geralmente mais atentos aos filhos e que se esforçam mais para estarem mais presentes e lhes darem mais educação? É impossível, a não ser que se conheça a nossa história, usos e costumes.

      António

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    2. Obrigada António pela partilha. Eu também, enquanto professora não acho que os jovens de hoje sejam delinquentes em potencia. Tirem estes jovens deste contexto de álcool e grupos enormes sem objectivos interessantes, ponham-nos noutro contexto, dêem-lhes outros interesses, outros desafios, outros modelos, estimulem a sua criatividade e estes jovens serão outros, terão outra energia. Não quer dizer que não façam asneiras e cometam excessos próprios da juventude. Fazem parte da idade e são rituais de passagem. Mas nós adultos temos responsabilidade de os deixar crescer em liberdade, harmonia e ensinarmos o espírito critico a esta nova geração. Deixemo-los errar, mas em consciência. E aprender com os erros. Mas podemos velar pela sua segurança, e devemos.

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  2. Há um livro bastante interessante de Javier Urra - O Pequeno Ditador - que aborda a violência nas crianças, presente tanto nas escolas dirigida a colegas e professores, como em casa onde os pais se colocaram no lugar de vítimas. Lê-se na contracapa do seu livro "Actualmente existem casos de filhos que batem nos pais. Crianças mimadas, sem limites, a quem tudo se consente, que organizam a vida familiar, dão ordens aos pais, chantageiam quem as tenta controlar. Crianças que se tornam jovens agressivos, que enganam, ridicularizam os maiores, que não hesitam em roubar a carteira da mãe. Adolescentes que desenvolvem condutas violentas e marginais. Em suma, filhos que impõem a sua própria lei.". Parece serem estes os 1000 meninos que fizeram do Hotel em Espanha o seu campo de batalha onde estiveram potencialmente como Pequenos Ditadores.

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    1. Obrigada Alexandra pela tua partilha. Mas gostava também de acrescentar que estes mil meninos não são vândalos ou marginais em potência. Muito do que eu conto foi-me contado por um dos meus filhos que foi a uma destas viagens há 7 ou 8 anos atrás. Como os outros fez as suas asneiras e excessos. Regressou em bem, felizmente e agora, homem adulto e consciente reconhece que estas viagens são um ritual de passagem muito idiota. Reconhece que esteve em perigo, ele e os outros e também ele preferia que houvesse outras formas de os jovens poderem exprimir a sua liberdade e criatividade de outra forma. Sobre os pais, reconheço que há desinformação, há uma máquina de fazer dinheiro por detrás destas viagens mas não acredito que os pais queiram que os seus filhos sejam vândalos. Os pais fazem o melhor que podem e sabem. Resta-nos reflectir e fazer a nossa parte - orientar, informar, dar pistas e novas sugestões, para que os jovens possam viver a sua adolescência plena em consciência, liberdade e poder de escolha.

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  3. Tenho 58 anos e ainda hoje adoro a liberdade Fui muito rebelde e aprendi com os meus próprios erros. Lembro-me tão bem do apelo, do impulso, para fazer algo de diferente e, até de proibido... Queria sempre partir para o desconhecido e era fascinada por essa espécie de abismo.
    Fui reprimida como qualquer outra jovem da classe média. Havia muito amor entre mim e toda a minha família, mas uma menina de bem devia saber comportar-se e ir virgem para o casamento, nem que casasse aos 70 anos....hi hi hi !
    Hoje sou professora e adora os meus alunos, sei é dizer que eles correm perigos dos quais
    é mais difícil escapar. É a própria evolução da sociedade que o dita. As drogas são mais sofisticadas. As doenças, também.
    A juventude é o futuro. Hoje já não se anda pela Europa à boleia, tem-se o TGV., o metro, os cruzeiros ao dispor. Investe-se mais nas viagens e outras diversões dos nossos filhos.
    Por vezes acontece o pior. Cada uma das partes envolvidas deve assumir os erros.
    Aí é "que a porca torce o rabo". Ninguém assume e isso é o mais trágico de tudo.

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    1. Muito obrigada Susana Passos. Como colega de Português que sou, adorei a sua partilha. Identifico-me muito com o que escreve sobre o tema. Acho que estamos de acordo. Há que deixar que os jovens cresçam em liberdade, mas em consciência. Pais, escola e sociedade, todos juntos devemos assumir a responsabilidade de lhes mostrar caminhos, pistas para que eles possam desenvolver o seu espírito critico, decidir o seu presente e preparar o seu futuro. E são o futuro, sim. É por eles que vale a pena lutar.

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  4. Bag4Days – para quê comprar mala se pode alugar uma?
    Precisa de viajar e não tem nenhuma mala adequada às suas necessidades? Pesquise na Bag4Days e alugue uma. (www.bag4days.com)

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  5. Parabéns Teresa pelo texto. Concordo em absoluto, e creio que a responsabilidade deve ser imputada aos pais e aos jovens. Falou-se em liberdade, a liberdade conquista-se. Não tenho nada contra a viagem em si, nem sou moralista, já fui adolescente e fiz as asneiras todas que me deixaram (reforço: que me deixaram). O que está mais que estudado é que o estilo de parentalidade mais frutífero é o democrático: grande capacidade de compreensão, com encorajamento da autonomia, negociação presente, mas os limites existem e os pais deixam bem claro até onde os filhos podem ir (citação: Daniel Sampaio).

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    1. Obrigada João Cardoso pelo comentário e apoio. Resumiu exactamente o que eu penso sobre parentalidade. Educar em liberdade, responsabilidade e consciência. E eu acrescento sempre - a escola deve ajudar os pais nesta tarefa... (as reticências são minhas que sou professora e sei que esta minha opinião não é consensual) .

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