Crime de importunação sexual
- Foi apelidada pela comunicação social, de forma completamente irresponsável “Lei
do Piropo”.
Ora “Piropo é uma “Expressão
ou frase dirigida a alguém, geralmente para demonstrar apreciação física”, que
tanto pode ir do simples e inocente “estás muito bonita” até à frase mais
violenta e agressiva do ponto de vista sexualmente explicito. Portanto, não
convém meter tudo no mesmo saco, nem entrarmos em radicalismos.
- Esta lei já quase com
dois anos (de agosto de 2015) depois de alguns comentários na comunicação social
passou ao silêncio.
Tal como passa ao
silêncio na vida de muitas meninas e mulheres o assédio dissimulado, camuflado,
sussurrado, aquele que não salta para as páginas dos jornais em casos extremos
de crianças abusadas, violadas, torturadas por adultos e que nos chocam profundamente.
O assédio que esta lei
prevê é aquele que todas as mulheres conhecem e que se em criança o sentiram,
ele fica por vezes como uma marca de medo e desconfiança para o resto da vida.
Subtil, disfarçado, por vezes sem sequer chegar ao nível consciente.
Em muitas reuniões e contactos
com mulheres adultas, quando finalmente se chega a este nível de partilha de
memórias, não há quem não conte com mágoa casos que marcaram para a vida. Mas que
na infância nunca se partilharam com quem nos devia ter protegido – as mães, os
pais.
Porque as propostas implícitas no assédio sexual feito a uma criança é
algo tão assustador e incompreensível que na sua maioria a criança fica sem
saber sequer como explicar o que lhe aconteceu. Por vezes, não tem ainda
vocabulário suficiente para poder explicar o sucedido. Conto casos que me vieram parar às mãos
mas que não serão muito diferentes dos vossos.
Como o caso da menina que
aos 9 anos que num encontro de ginástica num grande estádio, ao ficar um pouco
para trás na corrida, cansada, vê um homem de gabardina que se aproxima e
abrindo a gabardina, expõe os genitais, em silêncio, de olhos esbugalhados, um
corpo de homem enorme assustador para uma criança que não percebe porque se expõe
este homem assim na sua nudez despropositada. Contar esta história como? Com
que palavras? Se ainda não se tinha ainda falado nem em casa nem na escola primária
de há 30 anos do nome do membro genital masculino?
Como o caso de uma menina
que no aperto do metro ao ir para a escola encontrava sempre o mesmo homem que
roçava o seu corpo no dela a meio da hora de ponta, sempre o mesmo tipo de
toque, bem diferente dos outros toques casuais e não intencionais que acontecem
num aperto do transporte público. Aquele toque era diferente, perturbador, assustador.
Mas a menina eram tão novinha, a experiência tão estranha e apavoradora, que não
havia palavras para contar. E contar o quê? Como se conta esta história aos 10
anos? Mas aos 40 já a sabemos contar e temos vontade de voltar ao passado e
salvar aquela menina daquele metropolitano e dar um par de estalos ao homem.
Como o caso de tantas
meninas que iam a pé para a escola e passavam por prédios em construção e
baixavam os olhos, escondiam o corpo, metiam-se num buraco se fosse possível,
para evitar ouvir as frases que os homens em grupo gritavam nas suas vozes
grossas, “comia-te toda”; “ó borracho, queres por cima ou queres por baixo”; e
outras frases que as meninas não percebiam, mas sabiam que as faziam sentir
mal, assustavam e aterrorizavam todas as manhãs o caminho ao ir para a escola.
Como contar essa história às mães, se nem a linguagem era toda percebida?
Para não falar de abusos
sexuais por parte de familiares, tios, primos, avós – toques, encontros,
palavras, carícias que as faziam sentir mal, sem perceber porque, e aí mais
grave, porque o elemento abusador deveria ser o protector. Destes casos infelizmente,
muitos ainda hoje são abafados pela família, alguns são negligenciados,
felizmente muitos são denunciados. Mas a marca, a cicatriz emocional, fica para
sempre.
Agora que somos Mulheres
Adultas, conscientes do que passamos em meninas, só nos resta uma coisa.
Estarmos atentas, conscientes ao que se passa à nossa volta, com as nossas
crianças, meninas ou meninos, filhas, filhos, alunas, alunos. Ouvir as
crianças, perceber o que elas dizem com os silêncios, com os olhos assustados,
com o afastamento do grupo, com comportamentos anti sociais. Falar com os
responsáveis, pais, professores, outros adultos, encaminhar para psicólogos ou
outros profissionais de saúde. Activar mecanismos judiciais sempre que for preciso.
Sem assustar a criança, proporcionando-lhe
um clima de tranquilidade e confiança. O que está em causa é a criança, o seu bem-estar.
E TODOS somos responsáveis pelas crianças que temos à nossa guarda.
Artigo 170.º do Código
Penal. No artigo 171.º (Abuso sexual de crianças) "Quem importunar outra
pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando
propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é
punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena
mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal." Agrava-se
a moldura penal para a importunação sexual quando cometida sobre menor de 14
anos, passando o máximo da pena a três anos e sendo a tentativa punível.
ilustrações de Nicoletta Ceccoli
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