Quando eu era criança a
minha mãe levava-me em dias festivos a lanchar numa pastelaria da baixa lisboeta
que eu achava lindíssima, com espelhos e quadros nas paredes, e onde as pessoas
iam todas bem vestidas, tomar um chá e comer bolos.
Mas o melhor de tudo era
que eu podia escolher um bolo. E escolhia sempre o mais bonito de todos – “O
Mil Folhas”. O bolo chegava e eu ficava encantada a olhar para ele. Em vez de o
comer, ficava primeiro a tentar contar as camadas do bolo, devagarinho a ver se
de facto eram mil. Confesso que nunca cheguei ao fim da contagem das folhas do
bolo. Perdia-me sempre na conta. E também confesso que nunca era capaz de o
comer todo.
Porque o bolo, primeiro
era enorme, com as suas mil camadas, parecia muito forte. Depois era lindo e
variado, com muitas cores, devia ter imensos sabores. Mas quando lhe púnhamos a
faca e o garfo em cima, desfazia-se em mil pedaços e espalhava-se pelo prato e
às vezes pela mesa.
Era um bolo muito confuso
para uma criança conseguir perceber e comer sozinha.
Por isso, ao crescer,
deixei de pedir “Mil Folhas” na pastelaria. Como um “pastel de nata” que é
fácil de perceber e come-se num instante. Rapidamente, como tudo o que fazemos
na vida, à pressa.
Mas hoje lembrei-me dos
bolos “Mil Folhas” ao pensar nas mulheres que conheço, na casa dos 50 anos de
idade.
Lindas, arranjam-se bem,
cuidadas, parecem fortes, mas com muitas e muitas camadas de vida umas por cima
das outras. E se lhes tocamos com alguma palavra que lhe chega ao coração,
desfazem-se em mil pedaços.
Falo das Mulheres que já
foram mães, que já criaram os filhos, que choraram à porta da creche quando os
deixaram lá, que passaram noites acordadas quando eles eram bebés, que os
acompanharam durante todo o seu percurso escolar. Que sofreram ao verem as suas
notas descer ou subir e acompanharam as suas expectativas de entrar ou não para
o curso superior desejado.
Falo das Mulheres que orgulhosamente
fizeram muitos sacrifícios ao mandar os filhos para a Universidade, para que
eles tivessem um Curso Superior, para ter uma carreira. Falo das Mulheres que
deixaram de fazer férias ou comprar coisas para si, para pagar as propinas das Licenciaturas
e dos Mestrados dos filhos.
Falo das Mulheres que
cheias de orgulho viram os filhos iniciar uma nova família, muitas vezes ajudaram financeiramente o jovem casal, e choraram ao ver
nascer os netos. Falo das Mulheres que, ao ver os filhos crescidos, deixaram
de viajar ou sair com as amigas, para ficar em casa a tomar conta dos netos,
para que os filhos pudessem, esses sim, descansar um pouco da vida familiar.
Falo das Mulheres que por
vezes passaram por um divórcio, uma perda, uma separação, e que foram mães e
pais ao mesmo tempo, sacrificando os seus sonhos para dar aos filhos a estabilidade e o amor que souberam sempre dar.
Falo das Mulheres que depois
de toda a família criada, olham para o lado e têm ainda os pais, idosos,
acamados, que precisam que tomem conta deles, como se fossem bebés outra vez.
Que não querem ir para um lar, ou que não têm lugar num lar. Ou porque é muito
triste levar um pai ou uma mãe para um lar. Ainda mais triste que deixar o
filho de três anos na creche.
Falo destas Mulheres que
são Mil Folhas. Lindas, Fortes. Quase sempre sós.
A precisar que uma amiga
lhes diga: Descansa. Hoje trato eu. Hoje posso ser eu uma das tuas folhas.
Lindo texto!
ResponderEliminarTão verdadeiro! Continue a escrever assim :)
ResponderEliminarMuito obrigada pelo comentário
EliminarComo me revejo neste texto... todos os dias peço ombros mais fortes para suportar todos estes "nadas" e transformar os meus, pais , filhos, irmãos, numa família unida e feliz . "Mulheres mil folhas" que bela definição, delicada e cheia de glamour, para estas mulheres autênticas traves das suas casas, fogo das suas lareiras.
ResponderEliminarContinue :)
Obrigada pelo comentário. Ainda bem que gostou :-)
EliminarAdorei o texto!!! Sai.uma mil-folhas para esta mesa!!😁😁😁
ResponderEliminarMuito verdadeiro esse texto adorei!!!!
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