Foi e ainda está a ser
muito difícil dar um título ao que quero escrever hoje. Por isso acrescentei 1º
capítulo não sei se foi para me facilitar a tarefa se foi porque este tema é um
poço sem fundo.
Mas para chegar lá,
começo pela história da Maria e do gelado. A Maria é uma grande amiga minha que
tem perto de 50 anos, teve uma vida de trabalho no campo, nas fábricas, no
serviço doméstico, criou duas filhas lindas, tem um bonito casamento de longos
anos e faz-me o favor de vir a minha casa de vez em quando ajudar-me a
organizar e limpar a confusão que eu organizo, com um benefício acrescido.
Conta-me histórias do
tempo em que era criança, do tempo em que vivia numa aldeia sem electricidade,
do tempo em que ia à escola e a professora lhe batia até a deixar marcada, porque
ela, inteligente como poucas, com o medo, bloqueava no quadro e ficava muda, e
no meio as histórias que ela conta, rimos as duas com a conversa até que ela me
manda calar, para poder fazer o seu trabalho.
O que eu gosto mesmo das suas
visitas é da conversa, até nem me ralo muito que a casa não fique toda super arrumada
e limpinha. Mas ela é assim, deixa-me tudo mesmo muito limpinho, mas eu vou
puxando a conversa.
Ontem foi a história do gelado.
Tinha a Maria já os seus 10 anos, quando a irmã, uns 3 anos mais novita foi a
Lisboa num passeio organizado pela escola.
Isto foi há 50 anos, a aldeia ficava
a 60 km de Lisboa e o passeio era uma grande aventura. Em Lisboa a irmã mais
novinha comeu um gelado e aquele doce, que ela nunca tinha provado, porque não
havia electricidade na sua aldeia, soube-lhe a qualquer coisa tão mágico e
maravilhoso que se lembrou da irmã, a minha Maria que ficara na aldeia.
E a irmã decidiu comprar
um gelado igual para levar à mana, para que ela também pudesse conhecer
aquela maravilha de doçura. Comprou o gelado, embrulhou-o com todo o carinho e
levou-o na viagem de 60 km para a sua aldeia, que se fazia pela estrada antiga,
sem auto-estrada ainda, o que levava algum tempo.
Feliz da vida, chegada a
casa, a pequenita deu o gelado à minha Maria que ao abrir apenas encontrou um
papel molhado e um pauzinho (aquele que suportaria o gelado se ele tivesse resistido
ao calor fora do frigorífico).
Esta história, que é
contada na família como uma anedota é das histórias mais doces e significativas
que já ouvi sobre a ternura de duas irmãs, mas principalmente da inocência de
uma criança que não sabia que um gelado precisa do frio para se manter, pois
durante a sua infância nunca teve acesso nem precisou de electricidade.
E assim viviam e assim
acaba a história do gelado. A minha amiga Maria acabou a quarta classe, apesar
da crueldade da professora, a irmã já estudou mais e são hoje duas Mulheres de
Letra Grande e minhas Amigas.
Só se passaram 50 anos
mais ou menos. Muitos dos que me lêem têm esta idade. Mas a sociedade mudou
como se esta história se tivesse passado há uns séculos.
Os jovens que temos hoje
em dia não imaginam este tipo de realidade. Como também se pegarmos numa
criança que viva na cidade, o levarmos para uma horta e lhe pedirmos, vai ali
buscar uma couve ou uma alface, provavelmente ficará a olhar para o sítio onde
estará escrito o nome das coisas e a caixa para pagar.
Provavelmente nem saberá
como tirar a alface da terra. Nem a diferença entre uma alface e uma couve na
terra.
Os jovens que temos hoje
nas escolas secundárias têm entre 13 e 17 anos. (Quer os da cidade quer os das
zonas rurais, já não há grandes assimetrias no nosso país em termos de
condições básicas).
Nasceram, no séc. XXI. Os
primeiros brinquedos que tiveram foram o telemóvel da mãe, a PS3 do pai e a box
lá de casa. Aprenderam ainda antes de falar, a usar todos os botões dos
comandos da PS3, a programar os canais televisivos e a tirar fotografias com o Iphone. Começaram a usar o skype aos 3 ou 4 anos,
para falar com os primos que estão no Canadá, ou com o pai que emigrou. Tiveram
o seu primeiro telemóvel aos 6 ou 7 anos, rapidamente fizeram download de todas
as apps que lhes foi possível, dominaram o teclado, os emojis, desatando a
comunicar pela net com toda a gente que conheciam.
Depois fizeram-se adolescentes,
o corpo e a voz começaram a mudar, as hormonas a fazerem-nos chorar ou rir ou
suspirar ou desejar voar “daqui para fora”…
E em vez de um avião, ou comboio, apanharam boleia para o mundo dos opinion makers – aqui o mundo chega a cada click e têm os seus favoritos – Youtubers, Vloggers, Bloggers, cheios de estilo e ideias cool.
Com as suas apps e social media favoritos estão em contacto constante com o mundo, recebendo e enviando milhares de informações por dia - Facebook ,WhatsApp, Tumblr, Instagram, Twitter, Baidu Tieba, Pinterest, LinkedIn, YouTube, Viber and Snapchat. (nesta última app o tempo de cada snap é de 1 a 10 segundos!!).
50 anos separam estas gerações. A estrutura de ensino (tirando a crueldade, os castigos físicos e outras barbaridades) continua muito semelhante ao tipo de ensino, baseado no saber enciclopédico e no “mastering” como no séc. XIX.
Um número muito
significativos dos professores está entre os 40 e tal e 50 e tal anos.
Estudaram pedagogia e
didáctica para serem professores.
Durante muitos anos
fizeram formações e mais formações..
.
Mas será que o tipo de
energia, o resisto de vida, o patamar vivencial dos professores e dos alunos se
conseguem encontrar em algum ponto nos infindáveis dias em que todos passam
horas e horas a fio metidos em salas quadradas e desinteressantes, sentados em
filas, tentando uns ensinar, outros aprender, conteúdos já mais que
desadequados à sociedade contemporânea?
Comentários
Enviar um comentário