Os Arrumadores de Carros e eu


Este é sempre um assunto muito polémico entre mim e os meus amigos muito chegados e família mais chegada, muito chegada. Porque aos outros não lhes dou muita confiança para falar deste assunto tão íntimo.

Ou seja, confesso que tenho pelos arrumadores de Lisboa um carinho e uma cumplicidade muito especial. E vocês, podem-se contorcer todos já nas cadeiras que eu não me importo nada, podem desligar já o blogue deixar e de ler, que eu vou continuar a escrever isto.

Lisboa é a cidade onde nasci e cresci até aos meus vintes. Menina e moça me levaram da minha cidade (mentira, eu saí mesmo porque queria ver o Mundo) e fui parar à zona saloia que é um Mundo muito particular, e aí aprendi a conduzir. 


Verdade se diga, que conduzir numa cidade pequena e acolhedora; conduzir por caminhos rurais ladeadas de cores maravilhosas que mudam conforme as estações; em estradinhas à beira de falésias com um mar que nos acompanha em ondas de azul - não é bem a mesma coisa que conduzir em Lisboa, onde vou com frequência, encher-me de gente, de multidões, de museus, de concertos, de eventos com muita ou pouca gente, porque gosto, de espectáculos, de restaurantes, de grandes avenidas ou de ruas e bairros antigos típicos, de grandes superfícies comerciais, de visitas a amigos, e por aí fora, que isso é coisa que não cabe aqui nesta conversa.


Ora se já para mim é complicado fazer a rotunda do Marques de Pombal, cheia de atenção para perceber qual a saída correcta que tenho de apanhar, para a minha rota e não ir parar a Cascais quando quero ir para o Rossio, (o que é um bocadinho de exagero, mas já andei lá perto), agora imaginem o desespero que é quando chego finalmente ao meu destino e não faço a mínima ideia onde posso e como devo estacionar o automóvel. 

Parques subterrâneos são um inferno. Nunca percebo onde são as entradas, acho as rampas apertadíssimas, vejo-as cheias de riscos e imagino, a quantidade de desgraçados que já deram cabo das pinturas dos carros ali, tenho de fotografar trinta vezes o local onde deixei o carro, e o caminho, para saber como voltar e principalmente, sinto-me apertada ali naqueles subterrâneos feios e escuros, que me estragam a alegria de um dia de turista em Lisboa.


Mas aprendi uma coisa – há sempre uns senhores simpáticos que me fazem uns sinais (para mim, sim para mim) e me mostram um lugar onde me garantem que o meu carro cabe e que fica perto do meu destino. 
A conversa dantes era sempre a mesma. –“ Mas acha que cabe? Olhe que eu não sei estacionar ai” dizia eu – “Cabe sim senhora, dizia o senhor numa infinita paciência, eu ajudo”. E, por artes mágicas, lá começam eles (todos educados, sem gritaria tipo “cuidado!” e “vire o volante!” e tal, e começam a dar indicações precisas e muito técnicas de como se arruma um automóvel.

No fim eu ficava sempre espantada. E não é que o carro cabia e ficava ali direitinho no meio dos outros? Depois até comecei a ser atrevida e a arriscar. Estacionar o carro no meio de dois, sabem como é? Devo ter faltado a essas aulas todas na escola de condução, porque é técnica que nunca percebi, a cena de olhar para o espelho e no meio do carro vira o volante e agora vira tudo tudo…Esqueçam. Não é para mim. 

Mas com os arrumadores, a coisa vai. “Ai não consigo”, digo eu.” Consegue sim senhora”, dizem eles a dar reforço positivo, melhor que muitos professores que conheço, “Eu ajudo”. E lá vou eu… Seguindo as instruções e não é que o carro fica arrumadinho? Sem me enervar, sem bater nos outros, Sem estragar a minha alegria.




Isto é ou não é um serviço bem prestado? Isto merece ou não merece ser bem pago? Ainda por cima estes senhores não têm uma tabela como os outros profissionais, tipo, se for no meio de dois carros é tanto, se for em espinha é mais fácil é mais barato, não senhor. Cobram por DONATIVO. O cliente paga o que quer, o que eu acho que é um acto de boa-fé e boa vontade. Por isso eu pago com as moedas que tenho na carteira, conforme o tempo que acho que perderam comigo. Se só tenho uma nota, pergunto se têm troco. Têm sempre toco. Dou uma nota de 5 euros, dão-me dois ou três euros conforme o negócio. Não peço recibo porque também já me parecia abuso.

Ainda damos dois dedos de conversa, fala-se do tempo, da vida, de como isto em Lisboa dantes era diferente e até logo, felicidade parra o resto do dia e bom negócio.
 Custa ser simpático para as pessoas? Custa ser gentil? Ficamos mais pobres por um euro ou dois?


Mas a mim o que me custa é isto - ao fazer a viagem de ida e volta da minha cidade para Lisboa (que distam apenas de 50 km) sigo por uma auto-estrada que se chama A8, que era para mudar de nome para Auto-estrada do Surf, eu ainda tive esperança porque achei que íamos ganhar com isso (nós, o povo), mas não aconteceu. 

Nessa auto-estrada cujo troço que chega à cidade onde vivo foi inaugurado em 1995 e assim sendo, pelas minhas contas já tem 22 anos, julgo que com a quantidade de vezes que eu e os meus conterrâneos já lá passamos em 22 anos e a quantidades de vezes que outras pessoas de outras cidades por cá passaram, digo eu, já a devíamos ter pago, porque de cada vez que vou a Lisboa, pago de portagem (ida e volta) 4,9 €. Parece que não porque a portagem está lá!

Isto dos 4,9€ por cada dia que vou a Lisboa por uma auto-estrada que tem 22 anos custa-me um bocado e não me apetece ser gentil com isto.

 Porque preferia mil vezes pagar os 4,9€ ao meu arrumador ou pagar-lhe um café e um bolo e conversar um bocado com ele sobre a vida. Aposto que ia aprender algumas coisas com estes senhores que deveriam ter histórias de vida bem interessantes para me contar.


Acho que eu ficava muitíssima mais rica com estas idas a Lisboa.


Comentários

  1. Não podendo discordar de quase nada do que escreve, confesso que faço precisamente o oposto. Mal vejo um arrumador, dispenso-lhe o serviço e não me importo de perder tempo e combustível até que encontre um lugar que os não tenha. Tarefa difícil e muito mais cara. Infelizmente para mim, vejo a coisa de outro modo. Vejo-os como o lumpen de “empresários” que, com uma obscena complacência quase geral, decidiram privatizar em seu benefício o espaço público. Evidentemente que nem todos os arrumadores são toxicodependentes e, por consequência, “funcionários” de narcotraficantes. E não são eles que me causam causam repulsa. São os invisíveis. Não, não dou para esse “peditório”.

    (E quanto à A8, só numa emergência a uso. Não sendo paisagem saloia, a nacional que corre ao lado, não deixa de ter os seus encantos...)

    ResponderEliminar

Enviar um comentário