A História que vou contar
hoje é dedicada mais uma vez à minha querida Teresa Horta e em especial porque
hoje é o lançamento da reedição do seu livro Ema cuja primeira edição foi em
1984 e já era tempo de ser editado outra vez. Ema é um romance. Ema é a
história de uma mulher, que se confunde com a história de sua mãe e de sua avó.
Todas elas mulheres infelizes, profundamente sós, enredadas numa teia de
incompreensão e violência por parte dos homens. Teresa Horta escreve um romance
repleto de narrativas e poesia que nos entra no coração e que traz até nós, mulheres de ficção, mas com quem nos identificamos como se todas nós fossemos
Ema.
“Comecei a gritar quando
ele me afastou as pernas com as mãos inesperadamente duras e ásperas. Comecei a
gritar e ele riu de troça enfiando-se em mim de um golpe: enorme; monstruoso, a
abrir-me o corpo, a rasgar-me a barriga, a matar-me como então supus. Eu sabia,
claro (era a noite de núpcias) claro que sabia que aquilo se iria passar, só
que não imaginara assim, mas como vem nos livros: a ternura misturada com o
prazer, logo á primeira vez”
pág.18 Edição D. Quixote, jan 2017.
Não conto mais sobre o
livro a não ser dizer que é imprescindível lê-lo porque a poesia, a ternura, a
sensualidade, mas também a violência, o abandono, a dor com que este romance é escrito nos faz
sentir viver dentro do livro.
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Mas esta história que vou
contar é em homenagem a um grupo de mulheres com quem trabalhei há cerca de 10
anos, e a quem a vida lhes fora adversa e a páginas tantas lhes tinha feito
virar as costas à escola, não tendo cumprindo a escolaridade obrigatória.
Acontece que surgiu por iniciativa governamental um
programa chamado Novas Oportunidades que chamou estas pessoas à Escola,
dando-lhes a possibilidade de, com programas adequados a adultos, cumprirem o
9º ano.
Eu tive o privilégio de leccionar uma dessas turmas composta na sua maioria
por mulheres (havia apenas 2 homens na turma ) aproximadamente dos 30 aos 50 anos. Na minha
aula, de língua portuguesa, havia que desenvolver as competências linguísticas,
mas também desenvolver a leitura e a escrita.
Um dos projectos que propus, foi
realizar um trabalho chamado – “a minha história de vida” –
Cumprir-se –ia com
esta trabalho, desenvolver competências de escrita, descobrir habilitações
profissionais adquiridas no percurso profissional ao longo da vida que
desenvolveriam nas outras disciplinas mais técnicas e realizar uma preparação
para elaborar um Curriculum Vitae e consequentemente
prepararem-se para uma candidatura a um
emprego. Tudo certo para começar a tarefa.
Começam a chegar as histórias
de vida. “Nasci em tal local, sai da escola por razões familiares, fui trabalhar,
casei, vieram os filhos, fui despedida, separei-me, “ajuntei-me” outra vez, mudei de casa, agora quero estudar de novo,
tenho esperança de conseguir um emprego melhor. Quero uma vida melhor. Quero
que os meus filhos não tenham a vida que eu tive…"
- Ó minhas senhoras! Isto
é poucachinho. O que é isso de razões familiares? E como com que idade casaram?
E o marido ajudou? E quantos filhos? Foi um projecto a dois? E que trabalho
faziam? Porque foram despedidas? E o segundo companheiro correu bem? E agora? O
que querem fazer? Quais os sonhos? O que vos impede de concretizar os sonhos? E
o que sabem fazer melhor? Vamos lá desenvolver os textos, digo eu, professora...
A pouco e pouco as histórias
foram aumentando…
A gravidez por vezes foi
na adolescência, a mudança de casa foi porque o pai a expulsou devido à
gravidez, a saída da escola aconteceu porque o companheiro a queria em casa com
ele, porque não havia dinheiro para o jantar, porque ele era toxicodependente, os
despedimentos aconteciam porque não é fácil arranjar emprego sem estudos e
grávida, projectos a dois? Isso era uma miragem, ajudas dos maridos, muito
poucas as tiveram, a maioria sozinhas em casa a cuidar dos filhos, maridos nos
cafés com os amigos a beber e ver a bola.
Fomos mais fundo. A
confiança instalou-se. A professora já era amiga, o que se contava na “História
de Vida” ficaria na “Historia” de vida. Nada do que se contaria naquelas folhas
sairia nunca dali.
Abusos na infância, maus
tratos por parte dos pais, dos irmãos, dos padrastos. Violência doméstica grave
por parte dos maridos e companheiros. Episódios contados nas folhas de papel a
esferográfica, a lápis, no autocarro, no café. Os erros ortográficos já não importavam.
Estas alunas eram cerca
de 20, dos 30 aos 50. Quando acabei o ano, calculei que pelo menos metade
destas mulheres tinham sofrido algum tipo de abuso na sua vida. Duas delas durante
o ano lectivo chegaram-me à escola com marcas físicas de violência no corpo e na cara.
Duas tiveram coragem de levar os maridos a tribunal e ganharam as causas. Eu
fui testemunha de uma e tive medo em tribunal, mas fui (e eu era só testemunha).
Todas concluíram o 9º ano
nesse ano com sucesso.
Mantenho contacto com
quase todas.
Tenho por elas um orgulho
enorme, uma admiração sem fim.
Pintura de Modigliani |
Tenho muito a agradecer o que me ajudou 💖 Esteve sempre do meu lado e também me deu coragem para enfrentar a situação 💖 😘
ResponderEliminarMuito orgulho em ti e na tua coragem. És uma mulher de Corpo inteiro
EliminarSou uma dessas alunas, orgulho me de ter tido a Teresa como minha amiga e professora, fui uma lutadora e como mulher que sou tb sofri a violência dos homens e os erros da justiça, Deus fez o resto.E criei meus filhos sozinha. Belo texto adorei.
ResponderEliminarLembro-me de cada uma de vocês... Obrigada por me ter feito crescer como Mulher, por me mostrar que não se desiste, por me mostrar o amor que tem aos filhos a salvou. E que a violência que sofreu no corpo, nunca matou a Mulher forte que é por dentro.
EliminarObrigada Tina. Agora vamos passar a "Historia de Vida" ao sonho de escrever o "Livro da Sua Vida"
EliminarObrigada professora lamy do curso sim sinto saudades agora do resto da minha vida nem por isso hoje estou bem melhos bjus
ResponderEliminarAjudou bastante obrigada por tudo hoje sou mais feliz.Eu tambem logo a seguir ao curso sai de casa me divorciei e parti para frança.